9.10.12

No caminho para o Serengeti

passámos por Ngorongoro, onde iríamos ficar uns dias mais tarde. Parámos no cimo da cratera e ficámos completamente deslumbrados com a paisagem. É mesmo de cortar a respiração, uma cratera com 20 kms de diâmetro que é considerada a Arca de Noé da África Oriental, por abrigar a quase totalidade das espécies animais daquela região. Era um antigo vulcão que colapsou há muitos milhões de anos atrás. Foi dos sítios mais bonitos onde estive, não tenho dúvidas.

Parámos num sítio para fazer um piquenique e íamos enregelando. Estávamos a mais de 2000 metros acima do nível do mar e estava frio à séria. Seguimos viagem até ao Serengeti porque ainda nos esperavam muitas horas na estrada. Ao entrarmos no Parque Nacional, que tem 6000 km2 de savana e mesmo ainda estando longe do hotel, a viagem tornou-se um safari por si só. No meio das planícies da savana, amarelinha, pincelada por acácias, a minha árvore de eleição, vimos vários animais, entre eles um grupo de leoas a alimentar-se de um bufalo acabadinho de matar.

Ao chegar ao lodge ficámos a saber que quando anoitecesse, já não poderíamos andar sozinhos entre as zonas comuns e os bungallows. Como estamos dentro de uma reserva animal são proibidas as vedações e de vez em quando os animais selvagens fazem umas visitinhas aos hotéis, mais na época seca, à procura de água. Da nossa janela vimos búfalos ali à mão de semear e a Joana panicou com a possibilidade de entrar um rinoceronte no quarto durante a noite e acabou a dormir na nossa cama. No dia seguinte ficámos a saber que nessa noite andara por ali um leopardo. Os guardas nocturnos andam com umas lanternas e se aparecer algum animal, a ideia é encadeá-los com a luz, eles dão meia volta e vão-se embora. Nada de armas. Uma simples foco. (medo...)

O safari pela savana, durou um dia inteiro e vimos tudo a que tínhamos direito (excepto o rinoceronte, o tal que a Joana achava que havia aos magotes, ao ponto de poderem entrar no quarto). Caiu um dente à Rita em pleno safari, muito exótica a criança, e a Joana ainda conseguiu mandar borda fora, sem querer, uma bolsa minha e tive que sair do jeep para apanhar, que é coisa que nunca se deve fazer. O ponto alto foi um grupo de leões pertíssimo de nós. As miúdas passavam-se cada vez que estávamos perto de leões, queriam fechar a capota, mas depois já queriam estar com a cabeça de fora, depois vinham para dentro e davam gritinhos, depois viam os bigodes deles com os binóculos, as ramelas, brincávamos com a sorna deles e mandávamos bocas ao Sporting. Vimos chitas com as caras ensaguentadas porque se estavam a alimentar de uma gazela, vimos um leopardo pendurado numa árvore, que tinha também caçado uma gazela (pobres bambis...) e que a levara lá para cima para a esconder.

À tarde, quando já andávamos pela savana há horas e já nem ligávamos às girafas, elefantes e gazelas, tal tinha sido a quantidade que já tínhamos visto, o guia fez-nos uma surpresa e levou-nos a uma "hippo pool". Um charco nauseabundo completamente repleto de hipopótamos, todos ao monte uns em cima dos outros, a bocejarem, a dormirem, a gaseificarem o ar, enfim, todos numa grande ronha. Eram dezenas num espaço mínimo. O pivete era de morte, mas ficámos maravilhados com o espectáculo. Mete respeito, já que estes animais gorduchos e fofitos causam mais mortes de humanos em África do que os leões, búfalos, elefantes e rinocerontes juntos. São muito agressivos e territoriais e portanto estávamos ali tão pertinho deles, que tínhamos que estar sempre com um olho no burro e outro no cigano. Mas foi espectacular! Foi das coisas mais sui generis que vi até hoje. Parecia uma visão do inferno.

Quando chegámos ao nosso hotel no dia anterior reparámos nuns panos azuis e pretos que estavam pendurados em muitas árvores, que nos disseram que eram armadilhas para as moscas tsé-tsé. Na altura não me fez muita confusão, ninguém me alertou na consulta do viajante para insectos para além do mosquito. Tivemos sempre imensos cuidados, andávamos sempre cobertos de repelente e até estranhámos ver tão poucos mosquitos. A mosca tsé-tsé na minha cabeça transmitia uma doença pouco perigosa. (maravilhosa ignorância). Mas nessa tarde, o jeep foi invadido por um enxame de moscas gigantescas. Foi assim um repente, entraram uma série delas e foi um desconcerto. Eu não sabia que eram moscas tsé-tsé, mas quando me morderam a mim na testa e à Rita através da roupa, percebi que não era uma mosca normal. A Rita foi picada no cotovelo e chorou como se tivesse sido picada por uma abelha, aquilo doeu-lhe horrores. A mim também me doeu como tudo, mas não chorei : ) Apetecia-me mas mantive a compostura. Estava coberta de repelente e nem queria acreditar que elas não se afastassem. O Nuno e a Joana foram poupados. Ou pelo menos não sentiram. O guia descansou-nos e disse que não havia problema mas matou todas as que conseguiu. Assim como apareceram, desapareceram. E não pensei mais no assunto.

Mas três noites depois já em Ngorongoro, e com um alto na testa que me andava a chatear, decidi ir ao google. Toda a gente sabe que não se deve "googlar" sintomas de doenças. Que tudo o que é o worst case scenario aparece. Mas a minha ignorância deu-me para aquilo e só queria perceber se aquelas moscas eram de facto tsé-tsé. Percebi que ou eram as tais ou horse flies. As primeiras transmitiam a doença, as outras não. Os primeiros sintomas eram uma tumefação do sítio da mordedura. Ok, tinha um belo alto na testa. Próximos sintomas: febre, gânglios inchados. Faltavam aí uns 10 dias para ir para Lisboa. Estava em África. Não queria adoecer ali. Na minha cabeça tinha sido infectada e tinha agora pequenas larvas dentro do alto na testa a abrirem caminho até ao cérebro.

A Rita também tinha sido picada. Fui logo ver-lhe o cotovelo enquanto dormia e nada. Menos mal. Mas posso dizer que entrei em pânico ali durante umas duas horas. Em que achei que estupidamente ía morrer por causa de uma mosca.  O Nuno, que é o meu lexotan de bolso, explorou a net até aos mais ínfimos pormenores até encontrar algo que me descansasse. Entre várias coisas horríveis que lemos, uma delas dizia que a quantidade de veneno que seria necessária para matar o parasita da mosca, seria ligeiramente inferior ao necessário para me matar a mim. Boa, coisa linda. Mas entretanto começámos a ler fóruns de viagem e percebemos que a maioria dos turistas era picado por moscas e que muitos tinham reacções exuberantes e que não se tinham traduzido em doença. Percebemos também que na Tanzânia são reportados apenas 100 novos casos de doença por ano. Que são poucos, pensando na dimensão do país. Noutros países os números são muito maiores. Nem todas as moscas estão infectadas e o facto de saber que não tinha sido um azar tremendo ter sido mordida mas uma coisa banal para turistas que visitam o Serengeti, deu-me alguma tranquilidade e nem sei bem como, mas acalmei-me totalmente e consegui não me preocupar mais com isso. Até ao dia, já em Zanzibar em que comecei a sentir os meus gânglios no pescoço inchados e dolorosos. Fiquei à rasquinha novamente mas lá fui gerindo a coisa, até porque o alto na testa entretanto tinha desaparecido. Quando cheguei a Lisboa eu e a Rita fizemos um hemograma que estava normal. Relaxei finalmente. Mas de vez em quando, muito de vez em quando.... confesso que ainda fico com a mosca.

O Serengeti encheu-nos as medidas. Siga para Ngorongoro!

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