22.10.12

Tiram-me os hidratos de carbono,


e eu não me responsabilizo.

Mas tenho que me aguentar até 5ª feira sem comer pães de leite. Agora que eu conheci os pães de leite da Padaria Portuguesa. Batata, pão, massa. Crepes com nutela. "Ah e tal, até 4ª não podes, depois a partir de 5ª feira, enfardas." Ok, senhor PT de rua. Gosto da parte do enfardar. Nós (eu e Catarina) cumprimos. Tristes, insuportáveis, alteradas e descompensadas, mas cumprimos.

Eu e a minha companheira de estrada corremos desde 2009 e já fizemos duas meias maratonas e muitas corridas por essa cidade fora. Somos muito focadas em objectivos e esmorecemos com alguma facilidade se não os conseguimos alcançar.

Vamos aqui esclarecer uma coisa: eu não gosto de correr. Correr custa como tudo. Mas adoro a sensação no fim da corrida, de saúde, de dever cumprido e de nos irmos  conseguindo superar. Prazer como tinha quando jogava ténis, nunca senti. Talvez no 1º, 2º km consiga ter esse sentimento de liberdade, ao ouvir música boa, de andar aí pela rua aos saltinhos. Mas o resto do tempo vou a arfar como um cão com esgana. Dói-me a alma, penso em parar de 30 em 30 segundos, tenho sede, irrita-me o pinguinho de suor que escorre pela testa e que me faz cócegas, ou o cabelo que se desprendeu do gancho e anda ali para cima e para baixo, ou o suor que escorre para os olhos e que me arde, ou o fio do ipod que se enrola no braço, ou fico enjoada, ou com frio interior que é uma coisa estranhíssima que sinto durante as corridas em que vou a puxar mais.

Vou numa luta interna constante. Se conseguisse falar, barafustava com toda a gente que ousasse aproximar-se a um metro de mim. Tudo me incomoda. Mas não consigo falar. Nem ouvir. Quando o Nuno corre comigo, no fim da corrida em que ele torce por mim, me espicaça e "faz assim e faz assado, levanta os pés, dá saltinhos, os pés menos tempo no chão, tem que doer, respira assim, respira assado" e eu arghhhhhhhhhh, cala-tiii! Pareço aquelas mulheres no fim do parto em que o marido diz: força força, push push! e elas não suportam e expulsam o marido da sala de partos. É assim que acontece. Ele agora já sabe. Basta estar ali ao lado, caladinho.

Somos umas meninas, como o Nuno nos diz. E somos mesmo. Treinamos que nem umas moiras mas queixamo-nos de tudo. Mas acho que já alcançámos muitos feitos. E já não escolhemos os percursos só planos (já não suportamos Belém, argh até me dá náuseas), e até a fazer aquelas subidas puxadas em Monsanto andamos. Estamos menos meninas. Mas levamos na cabeça na mesma. Eu porque páro para beber água. Devia beber a água em andamento. Ou porque vou a ouvir música enquanto devia ir a ouvir o corpo. Ou porque só como porcarias. Ou porque não respiro pelo nariz. Ou porque não me dói nada no fim e devia doer. Ou porque não cumpro os tempos que estão nos treinos ou porque páro no Verão. Em Julho e Agosto meto baixa na corrida. E deito todo o treino desde Janeiro por água abaixo. Chego a Setembro com 1001 objectivos mas com a forma de uma tartaruga com diabetes. Arrependo-me amargamente.

Mas também levo muitas festinhas porque o meu PT de rua também sabe incentivar-me como ninguém. E é ele que me aconselha e me dá alento. E ele sabe como eu sou preguiçosa e como a minha cabeça muitas vezes tem vida própria e não é fácil de domesticar. Mas a corrida foi como um bichinho que se entranhou assim de repente. Fui contagiada pelo Nuno, pelos meus cunhados, pelos amigos. Enquanto eles já correm maratonas por esse mundo fora e fazem tempos do além, eu vou tentando melhorar o mais que consigo.

Dia 28 os pros da família vão correr a Maratona do Porto. As ladies 15 km e a minha Joaninha vai correr 6 kms e treina com uma devoção contagiante.

Mas não esquecer como isto tudo começou: com o trambolho. Nota-se portanto alguma evolução :)

16.10.12

Última paragem em Tanganika.

Antes de chegarmos a Ngorongoro visitámos uma vila masai. Há imensas espalhadas pelos parques nacionais da África oriental, só na Tanzânia são mais de 400 mil masais que podem viajar livremente entre as fronteiras do Quénia e Tanzânia. Não têm receio dos animais selvagens, explicou-nos um deles, os animais é que têm medo deles. E matar um leão dá-lhes uma grande fama e valor dentro da comunidade.

Fizeram uma dança masai, saltámos com eles e fomos inundados de bijuteria masai que nos queriam vender. Quando demos por nós já tinha 20 colares em cima, 50 pulseiras e outras traquitanas. Lindas mas caras. Visitámos uma das cabanas, que são construídas pelas mulheres com estacas de acácia, lama e esterco de vaca. Estava muito escuro, tinha uma pequena fogueira que eles chamam cozinha, um buraquinho que era a janela e uma zona com paus e pele de animais que era a cama. Só passado alguns minutos depois de lá estarmos os cinco sentados, com a vista a habituar-se à escuridão, é que percebemos que estava também uma pessoa a dormir.


Cada masai pode ter uma série de mulheres mas cada mulher vive na sua própria cabana. Parece-me bem. Todas juntas, só podia dar para o torto. Os homens caminham muito pela savana enquanto pastam o gado e o filho do chefe, que falou connosco num inglês irrepreensível, chegou a palmilhar 70 kms num só dia, sem comer nem beber, para vender apenas uma vaca, por sinal doente, no lado queniano. Ainda eu me queixo quando corro 10 quilómetrozinhos. É outra fibra, sem dúvida.

Mostraram-nos a escola da vila onde vão as crianças até aos seis anos. Cantaram para nós com aquelas vozinhas pequeninas e empenhadas. Quando fazem 6 anos, se tiverem dinheiro vão para as escolas fora da vila. Por isso é tão importante que os turistas visitem as vilas, sempre é algum dinheiro que ganham para comprar coisas como medicamentos e toda a alimentação, pois para além do gado não cultivam nada.


O chefe desta vila tem 98 anos mas andava por aí a pastar as vacas, sabe-se lá onde. É um povo parado no tempo, mas com todo o encanto que isso carrega. Andam vestidos com mantos onde predomina o vermelho e as meninas já anunciaram que se querem mascarar de masais no Carnaval. A Rita entretanto mudou de ideias. Mas quando saiu de lá, basicamente queria ser uma masai. Tantas jóias e berloques é a carinha dela.

A caminho de Ngorongoro o nosso guia, que tinha olho de lince, avistou um bando de leoas à sombra de uma árvore mesmo na beira da estrada. Foi o delírio. Mesmo depois de vermos tantas vezes estes animais poderosos, ficávamos em êxtase quando estávamos cara à cara com o rei da Selva. Durante o safari dentro da cratera, onde há poucas árvores (apenas nas encostas) os leões andam sempre à procura de sombra e basta um jeep parar perto deles, para logo se movimentarem para a sombra projectada pelo carro. E isso aconteceu com um que estava ao nosso lado, mas a leoa pôs a cauda de tal forma, que se o jeep andasse ou lhe pisava a cauda ou o corpo. E ela não estava com muita vontade de se mexer. Foi engraçadíssimo. O jeep bem punha o motor a funcionar para tentar que ela se levantasse, mas era como se nada fosse, nem pestanejava, nem sequer um olho abria. Estavam condenados a ficar ali até à noitinha. São lindíssimos, mas são uns sornas de primeira. Os leões dormem 20 horas por dia. E a senhora dona leoa é que caça.

Quando chegámos ao hotel no cimo da cratera, percebemos que íamos rapar um grizo daqueles. Não fomos muito bem preparados para o frio, já andávamos a repetir calças imundas e sweats há alguns dias. O lodge era antigo, mas tinha uma vista soberba para a cratera. Só que as janelas nos quartos não tinham qualquer tipo de calafetagem, os cortinados esvoaçavam dia e noite. Os aquecedores era como se não existissem e tomar banho era um pânico, cada vez que tínhamos que sair da água quente para o ambiente frio. Mas à noite deixavam um saquinho de água quente para cada um, que era um mimo.

No safari na cratera vimos finalmente o único dos Big Five que ainda não tínhamos avistado. O rinoceronte. Estava muito vento e eles normalmente escondem-se porque são muito sensíveis ao som, por isso só os avistámos bem ao longe. Mas fizemos uma festa, era o único que nos faltava.

A cratera deixou muitas saudades. Siga para Zanzibar. Num voo a hélice, como eu gosto.



9.10.12

No caminho para o Serengeti

passámos por Ngorongoro, onde iríamos ficar uns dias mais tarde. Parámos no cimo da cratera e ficámos completamente deslumbrados com a paisagem. É mesmo de cortar a respiração, uma cratera com 20 kms de diâmetro que é considerada a Arca de Noé da África Oriental, por abrigar a quase totalidade das espécies animais daquela região. Era um antigo vulcão que colapsou há muitos milhões de anos atrás. Foi dos sítios mais bonitos onde estive, não tenho dúvidas.

Parámos num sítio para fazer um piquenique e íamos enregelando. Estávamos a mais de 2000 metros acima do nível do mar e estava frio à séria. Seguimos viagem até ao Serengeti porque ainda nos esperavam muitas horas na estrada. Ao entrarmos no Parque Nacional, que tem 6000 km2 de savana e mesmo ainda estando longe do hotel, a viagem tornou-se um safari por si só. No meio das planícies da savana, amarelinha, pincelada por acácias, a minha árvore de eleição, vimos vários animais, entre eles um grupo de leoas a alimentar-se de um bufalo acabadinho de matar.

Ao chegar ao lodge ficámos a saber que quando anoitecesse, já não poderíamos andar sozinhos entre as zonas comuns e os bungallows. Como estamos dentro de uma reserva animal são proibidas as vedações e de vez em quando os animais selvagens fazem umas visitinhas aos hotéis, mais na época seca, à procura de água. Da nossa janela vimos búfalos ali à mão de semear e a Joana panicou com a possibilidade de entrar um rinoceronte no quarto durante a noite e acabou a dormir na nossa cama. No dia seguinte ficámos a saber que nessa noite andara por ali um leopardo. Os guardas nocturnos andam com umas lanternas e se aparecer algum animal, a ideia é encadeá-los com a luz, eles dão meia volta e vão-se embora. Nada de armas. Uma simples foco. (medo...)

O safari pela savana, durou um dia inteiro e vimos tudo a que tínhamos direito (excepto o rinoceronte, o tal que a Joana achava que havia aos magotes, ao ponto de poderem entrar no quarto). Caiu um dente à Rita em pleno safari, muito exótica a criança, e a Joana ainda conseguiu mandar borda fora, sem querer, uma bolsa minha e tive que sair do jeep para apanhar, que é coisa que nunca se deve fazer. O ponto alto foi um grupo de leões pertíssimo de nós. As miúdas passavam-se cada vez que estávamos perto de leões, queriam fechar a capota, mas depois já queriam estar com a cabeça de fora, depois vinham para dentro e davam gritinhos, depois viam os bigodes deles com os binóculos, as ramelas, brincávamos com a sorna deles e mandávamos bocas ao Sporting. Vimos chitas com as caras ensaguentadas porque se estavam a alimentar de uma gazela, vimos um leopardo pendurado numa árvore, que tinha também caçado uma gazela (pobres bambis...) e que a levara lá para cima para a esconder.

À tarde, quando já andávamos pela savana há horas e já nem ligávamos às girafas, elefantes e gazelas, tal tinha sido a quantidade que já tínhamos visto, o guia fez-nos uma surpresa e levou-nos a uma "hippo pool". Um charco nauseabundo completamente repleto de hipopótamos, todos ao monte uns em cima dos outros, a bocejarem, a dormirem, a gaseificarem o ar, enfim, todos numa grande ronha. Eram dezenas num espaço mínimo. O pivete era de morte, mas ficámos maravilhados com o espectáculo. Mete respeito, já que estes animais gorduchos e fofitos causam mais mortes de humanos em África do que os leões, búfalos, elefantes e rinocerontes juntos. São muito agressivos e territoriais e portanto estávamos ali tão pertinho deles, que tínhamos que estar sempre com um olho no burro e outro no cigano. Mas foi espectacular! Foi das coisas mais sui generis que vi até hoje. Parecia uma visão do inferno.

Quando chegámos ao nosso hotel no dia anterior reparámos nuns panos azuis e pretos que estavam pendurados em muitas árvores, que nos disseram que eram armadilhas para as moscas tsé-tsé. Na altura não me fez muita confusão, ninguém me alertou na consulta do viajante para insectos para além do mosquito. Tivemos sempre imensos cuidados, andávamos sempre cobertos de repelente e até estranhámos ver tão poucos mosquitos. A mosca tsé-tsé na minha cabeça transmitia uma doença pouco perigosa. (maravilhosa ignorância). Mas nessa tarde, o jeep foi invadido por um enxame de moscas gigantescas. Foi assim um repente, entraram uma série delas e foi um desconcerto. Eu não sabia que eram moscas tsé-tsé, mas quando me morderam a mim na testa e à Rita através da roupa, percebi que não era uma mosca normal. A Rita foi picada no cotovelo e chorou como se tivesse sido picada por uma abelha, aquilo doeu-lhe horrores. A mim também me doeu como tudo, mas não chorei : ) Apetecia-me mas mantive a compostura. Estava coberta de repelente e nem queria acreditar que elas não se afastassem. O Nuno e a Joana foram poupados. Ou pelo menos não sentiram. O guia descansou-nos e disse que não havia problema mas matou todas as que conseguiu. Assim como apareceram, desapareceram. E não pensei mais no assunto.

Mas três noites depois já em Ngorongoro, e com um alto na testa que me andava a chatear, decidi ir ao google. Toda a gente sabe que não se deve "googlar" sintomas de doenças. Que tudo o que é o worst case scenario aparece. Mas a minha ignorância deu-me para aquilo e só queria perceber se aquelas moscas eram de facto tsé-tsé. Percebi que ou eram as tais ou horse flies. As primeiras transmitiam a doença, as outras não. Os primeiros sintomas eram uma tumefação do sítio da mordedura. Ok, tinha um belo alto na testa. Próximos sintomas: febre, gânglios inchados. Faltavam aí uns 10 dias para ir para Lisboa. Estava em África. Não queria adoecer ali. Na minha cabeça tinha sido infectada e tinha agora pequenas larvas dentro do alto na testa a abrirem caminho até ao cérebro.

A Rita também tinha sido picada. Fui logo ver-lhe o cotovelo enquanto dormia e nada. Menos mal. Mas posso dizer que entrei em pânico ali durante umas duas horas. Em que achei que estupidamente ía morrer por causa de uma mosca.  O Nuno, que é o meu lexotan de bolso, explorou a net até aos mais ínfimos pormenores até encontrar algo que me descansasse. Entre várias coisas horríveis que lemos, uma delas dizia que a quantidade de veneno que seria necessária para matar o parasita da mosca, seria ligeiramente inferior ao necessário para me matar a mim. Boa, coisa linda. Mas entretanto começámos a ler fóruns de viagem e percebemos que a maioria dos turistas era picado por moscas e que muitos tinham reacções exuberantes e que não se tinham traduzido em doença. Percebemos também que na Tanzânia são reportados apenas 100 novos casos de doença por ano. Que são poucos, pensando na dimensão do país. Noutros países os números são muito maiores. Nem todas as moscas estão infectadas e o facto de saber que não tinha sido um azar tremendo ter sido mordida mas uma coisa banal para turistas que visitam o Serengeti, deu-me alguma tranquilidade e nem sei bem como, mas acalmei-me totalmente e consegui não me preocupar mais com isso. Até ao dia, já em Zanzibar em que comecei a sentir os meus gânglios no pescoço inchados e dolorosos. Fiquei à rasquinha novamente mas lá fui gerindo a coisa, até porque o alto na testa entretanto tinha desaparecido. Quando cheguei a Lisboa eu e a Rita fizemos um hemograma que estava normal. Relaxei finalmente. Mas de vez em quando, muito de vez em quando.... confesso que ainda fico com a mosca.

O Serengeti encheu-nos as medidas. Siga para Ngorongoro!